Re-significar a Morte
para honrar a Vida!
A morte e o morrer são sempre temas sensíveis de abordar,
sobretudo porque tocam a todos nós e aos que conhecemos direta ou indiretamente
e diz respeito às experiências do passado, presente e futuro, do qual ninguém
fica indiferente.
Contudo, ainda que desde o primeiro suspiro de vida, esteja
implícito o derradeiro momento da morte, ninguém (geralmente), nos ensina a
morrer!
Com frequência somos “impedidos” de manter um “contato saudável”
com a morte, que geralmente ou é tratada como um tema “tabu” e por isso nunca
assunto natural de conversas entre familiares e amigos, ou tema de extrema “banalização”
(consoante diversos fatores que não cabem aqui, descortinar).
A perda de um ente
querido é sem sombra de dúvida uma experiência devastadora – a teoria da vinculação de Bowlby
(1980 cit. por Sanders, 1999) diz respeito aos laços afetivos que são criados
pela familiaridade e proximidade com as figuras parentais no início da vida.
Eles surgem da necessidade que se tem de se sentir seguro e protegido.
A morte não é pensada como um evento natural da vida, ao
contrário, é colocada habitualmente num futuro distante e sempre relacionada ao
outro. Sentimentos negativos afloram com a morte - insucesso, impotência,
rancor, indignação, dor, culpa, perplexidade, desamparo, injustiça diante da
perda, etc.
A morte na cultura ocidental, talvez represente de forma mais
traumática o sentimento de perda, sobretudo porque evitamos pensar na hipótese
de “deixar de ter”, seja o que for! A sociedade e a família mudaram a maneira
de ver e “viver” a morte, ainda que a religião, cultura, rituais mortuários,
experiências anteriores e muitos outros fatores interfiram na forma como representamos
e enfrentamos a morte e o morrer.
Na sociedade capitalista,
produtiva e supostamente “saudável”, não existe lugar para a morte, que fica
sempre à margem, a espreita de outra “vítima”. A morte não é um castigo, todos nós,
bons ou não, vamos morrer! Não existe morte “boa” ou “má” – qualquer morte
implica dor, sofrimento, pesar, tristeza…
Do ponto de vista psicológico, existem quatro tarefas essenciais no processo de luto, que devem ser
concretizadas para que o equilíbrio seja restabelecido:
Aceitar a
realidade da perda
A aceitação
da perda envolve não apenas um processo cognitivo (intelectual), mas sobretudo emocional,
que demora o seu tempo cronológico e varia muito de pessoa para pessoa. Os
rituais tradicionais (funeral, missas, ou outros consoante a religião), ajudam
muitos enlutados a avançarem na aceitação da perda.
Elaborar a
dor da perda
A pessoa em luto tem que ter “espaço” para
vivenciar a dor causada pela perda (evitar ou suprimir a expressão dessa dor
ira provavelmente, prolongar o processo do luto).
Ajustar-se a
um ambiente em que o falecido está ausente
Ajustar-se a um novo ambiente tem diferentes
significados, dependendo da relação que se tinha com a pessoa falecida e os
vários papéis que ela desempenhava. Ainda assim envolve geralmente ajustamentos
externos (funcionamento diário no mundo), ajustamentos internos (sentido de si
mesmo) e ajustamento de crenças (valores, crenças, considerações sobre o
mundo).
Reposicionar
em termos emocionais a pessoa que faleceu e prosseguir com a vida.
As memórias de uma relação significativa vão
sempre permanecer! Contudo, de acordo com Volkan (cit. por Worden, 1991), o
processo de luto termina, quando o enlutado deixar de ter necessidade de
reativar a representação do falecido, com uma intensidade exagerada no
quotidiano.
Essa parece ser a tarefa mais difícil de
alcançar – algumas pessoas ficam condicionadas (presas) a ela e não raro, tomam
consciência disso muito tempo depois, quando percebem que as suas vidas ficaram
estagnadas após a perda.
Quando uma pessoa consegue recordar, falar e partilhar
experiências do falecido sem dor, ainda que com saudades e permite-se reinvestir
as suas emoções na vida e nos vivos, podemos dizer efetivamente que o processo
do luto está concluído.
A morte demanda
aceitação, renuncia, compreensão, aprendizagem e reposicionamentos… Não, não é
fácil, mas é preciso seguir adiante, ultrapassar limites, crenças e a própria
dor!
Ana Saladrigas