sábado, 9 de novembro de 2013

JUSTIÇA RESTAURATIVA - O QUE É?

A Justiça Restaurativa é uma corrente relativamente recente nas áreas da vitimologia e da criminologia. Surgida em meados da década de 70, nasce associada à proclamação do fracasso da denominada justiça retributiva, incapaz de dar respostas adequadas ao crime e às problemáticas específicas de vítimas e infractores.
O sistema de justiça criminal tradicional concebe e encara o crime - o acto criminoso - como um conflito entre o Estado (ou o sistema formal de justiça criminal) e o infractor - o autor do crime. Tem natureza retributiva, na medida em que as suas respostas se centram no acto criminoso, e é formalmente legalista e garantístico. Ninguém hoje duvida de que este sistema se encontra longe da perfeição, estando à vista de todos uma série de elementos indiciadores da sua crise: a finalidade pouco clara da punição (reabilitar e promover a alteração do comportamento do infractor? Inibir outros de praticarem crimes? Afastar, pelo menos temporariamente, o infractor da sociedade, no intuito de proteger esta?), a ineficácia do aumento das penas, os custos astronómicos consumidos pela máquina judicial e, especialmente, pelo sistema prisional, a elevada taxa de reincidência e o escasso envolvimento das vítimas.
Face a este fracasso do actual sistema de justiça criminal, com consequências particularmente visíveis ao nível do crescente sentimento de insegurança – potenciado pela projecção mediática dos processos mais sonantes, diariamente acompanhados por rádios, televisões e jornais -, são em abstracto configuráveis dois caminhos alternativos: ou “mais do mesmo”, isto é, ou se dota o actual sistema de mais meios humanos e materiais, aumentando-se o número de tribunais, de magistrados, de prisões e, eventualmente, se agravam as penas, ou se desenvolvem e exploram novas ideias e modelos para lidar com o fenómeno da criminalidade. A denominada justiça restaurativa revê-se neste segundo caminho.
 O QUE É?
Encontra-se na literatura sobre a matéria inúmeras definições de Justiça Restaurativa, nem sempre coincidentes. As duas definições mais recorrentemente mencionadas e consensualmente aceites:
"É um processo através do qual as partes envolvidas num crime decidem em conjunto como lidar com os efeitos deste e com as suas consequências futuras." (Marshall, 1997)
"É um processo no qual a vítima, o infractor e/ou outros indivíduos ou membros da comunidade afectados por um crime participam activamente e em conjunto na resolução das questões resultantes daquele, com a ajuda de um terceiro imparcial." (Projecto de Declaração da ONU relativa aos Princípios Fundamentais da Utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal). 

  
PRINCÍPIOS, VALORES E CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS
A Justiça Restaurativa é uma forma diferente de perspectivar como é que todos nós, enquanto vítimas, infractores, autoridades policiais e judiciárias e comunidade em geral devemos responder ao crime. É um novo padrão de pensamento, que vê o crime não meramente como violação da lei, mas como causador de danos às vítimas, à comunidade e até aos infractores. Centra-se na activa participação das vítimas, agressores e comunidades, muitas vezes concretizada através de encontros entre estes, num esforço para identificar a injustiça praticada, o dano resultante, os passos necessários para a sua reparação e as acções futuras que possam reduzir a possibilidade de ocorrência de novos crimes.
A justiça restaurativa coloca a vítima e o infractor no centro do processo, como seus protagonistas, procurando o empowerment e a satisfação das partes, a reparação dos danos sofridos, o envolvimento comunitário e a restauração das relações humanas existentes. Perspectiva o crime como uma perturbação nas relações entre pessoas que vivem em conjunto numa comunidade, numa sociedade ou nas relações entre o infractor e a comunidade onde se insere.
São geralmente apontados três elementos fundamentais do conceito de Justiça Restaurativa:
» o elemento social - o crime é encarado não como uma mera violação da lei mas, acima de tudo, como uma perturbação, uma disfunção das relações humanas. Esta perspectiva implica uma mudança de paradigma: é a redefinição do conceito de crime, passando este a ser encarado como um acto de uma pessoa contra outra, violador de uma relação no seio de uma comunidade, em vez de um acto contra o Estado. A tónica é colocada no comportamento anti-social e na brecha aberta nas relações comunitárias;
» o elemento participativo ou democrático – este elemento é a pedra de toque de todo o conceito: só pode falar-se em justiça restaurativa se houver um envolvimento activo das vítimas, infractores e, eventualmente, da comunidade, guindados a “actores principais” no âmbito destes procedimentos;
» o elemento reparador – os processos restaurativos são orientados para a reparação da vítima: pretende-se que o infractor repare o dano por si causado, e o facto de este e a vítima estarem envolvidos no procedimento permite ir ao encontro das reais e concretas necessidades desta.
Idealmente, os principais méritos da justiça restaurativa são, ao promover a participação activa de vítimas, infractores e comunidades, permitir às primeiras expressar os sentimentos experienciados, as consequências decorrentes do crime e as necessidades a suprir para a ultrapassagem dos efeitos deste, proporcionar aos segundos a possibilidade de compreenderem em concreto o impacto que a sua acção teve na vítima, de assumirem a responsabilidade pelo acto perpetrado, de repararem de alguma forma o mal causado e possibilitar às terceiras a recuperação da “paz social”. Enumere-se mais em pormenor as virtudes que a doutrina, coadjuvada pelas investigações já desenvolvidas nesta área, aponta à Justiça Restaurativa. 
A justiça restaurativa e
» as vítimas;
» os infractores;
» as comunidades;
» o sistema de justiça tradicional. 
As vítimas de crime têm a oportunidade de:
» confrontar o infractor com o impacto que o crime lhe causou, expressando os seus sentimentos, a forma como a sua vida foi afectada pelo crime, as suas emoções e necessidades;
» descobrir como é o infractor - “conhecer-lhe o rosto”;
» formular perguntas (através do mediador ou directamente) a que somente o autor do crime poderá responder: porque é que fez o que fez, porquê a mim, fiz alguma coisa que proporcionasse ou provocasse o crime, etc.;
» afastar medos e receios sobre o infractor: será que vai voltar, estarei em perigo;
» receber um pedido de desculpas e presenciar o arrependimento;
» com maior probabilidade, receber do infractor justa reparação dos danos materiais e não materiais sofridos;
» participar de forma mais activa numa proposta de solução para o caso;
» evitar a morosidade do processo penal, assim como as frequentes idas a Tribunal, com o consequente efeito revitimizador;
» “encerrar” o assunto, o que pode ajudar a recuperar a paz de espírito. 
Os autores do crime (os infractores) têm a oportunidade de:
» assumir a responsabilidade pelo seu acto;
» explicar o porquê da prática do crime;
» tomar consciência dos efeitos do crime na vítima e compreender a verdadeira dimensão humana das consequências do seu comportamento, o que mais facilmente conduzirá ao seu verdadeiro arrependimento;
» pedir desculpa;
» proporcionar à vítima justa reparação pelos danos causados;
» actuar no futuro de acordo com a experiência e conhecimentos entretanto adquiridos;
» aumentar o nível de auto-conhecimento e de auto estima;
» promover a sua reinserção social – reabilitando-o junto da vítima e da sociedade e contribuindo para a redução da reincidência. 
comunidade experiencia os seguintes efeitos positivos decorrentes da justiça restaurativa:
» aproximação dos cidadãos da realização da Justiça, permitindo a sua participação na resolução dos conflitos verificados no seio da comunidade;
» redução do impacto do encarceramento na comunidade - quando os infractores, depois de cumprirem pena de prisão, regressam à sua comunidade, vêm “formados” em crime;
» promoção da pacificação social;
» realização da prevenção geral e da prevenção especial – contributo para a redução da reincidência. 
A justiça restaurativa beneficia o sistema tradicional de justiça criminal e a administração da Justiça nas seguintes vertentes:
» contribui para a individualização das respostas e reacções jurídico-penais face às características de cada caso;
» promove a aproximação e a compreensão do sistema judicial de justiça pelos cidadãos;
» contribui para a melhoria da imagem e percepção dos cidadãos da Justiça;
» facilita a resolução de litígios de uma forma rápida, flexível e participada;
» contribui para a prevenção de litigiosidade;
» pode contribuir para a redução de processos no sistema tradicional de justiça criminal, possibilitando a concentração de esforços e meios em áreas de criminalidade mais exigentes;
» reduz os custos da “máquina” judicial;
» reduz os custos com o encarceramento.
A justiça restaurativa tem sido levada à prática através de diversos modelos que, embora eivados de princípios, valores e características atrás descritos, diferem razoavelmente entre si, radicando essas diferenças nas origens culturais que os inspiram. O modelo mais utilizado, designadamente na Europa, é a mediação vítima-infractor.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Vítima, agressores e vingança: receita moderna de intolerância?

“É a nossa vez”, parece dizer quem se anuncia como “do bem”, ao levantar a voz contra quem é “do mal”. 
É cada vez mais frequente o discurso do vingador, pontuado de pequenas fórmulas. 
Os tradicionais jornais, no seu modo virtual, e as redes sociais estão cheios de berros, de brados, de insultos, de opiniões sem flexibilidade e de um humor inconsequente, caso dos que não se incluem no grupo dos vingadores, mas fazem troça de tudo à volta. 
Sinto-me incomodada com o recurso às fórmulas, aos rótulos e também com a recusa em compreender. Cada um tem seu ritmo, mas o trânsito fica caótico nessa conversa entre fortes, fracos, displicentes… as palavras se sobrepõem, umas abafam as outras, e pouca gente tem tempo e profundidade para mergulhar nessa trama, sem culpar ou imitar quem grita mais alto. 
Sinto o mesmo incômodo quando ouço que determinado debate público não tem importância, porque não é uma prioridade tratar daquele assunto, naquela hora. Tá certo que as pautas são manipuladas, mas com um pouco de paciência, de ironia e de habilidade, devíamos contribuir para desmanchar conveniências, para retirar o poder de quem nos obriga a olhar para um tema, evitando outros. 
Os assuntos vão surgindo, uns são incontornáveis, outros, perfumaria; poderia ser suficiente para nós, como grupo muito muito amplo que somos, seguir em frente, se a perfumaria for assim tão irritante (e tendo ou não o que propor acerca dos assuntos incontornáveis) ou assistir ao debate dito pertinente e oportuno, para aprender mais. 
Mas, num toma-lá-dá-cá a propósito de uma notícia mal redigida num portal da Internet, por exemplo, facilmente se nota como os participantes não têm norte, como comentam a notícia em si ou a falta de qualidade do texto, sem observar o mínimo de coerência no que verbalizam, sem respeitar pelo menos o princípio da inteligibilidade.   

No que diz respeito ao Brasil, é batata! Entendo que as pessoas estejam dececionadas com os rumos da política, com o descontrole da violência, mas não haverá uma pessoa sequer, um grupo para funcionar com contraponto à prática de transformar qualquer debate em queixa contra o governo federal e contra “os direitos humanos”? Ninguém para aconselhar que uns e outros usem menos palavrões e mais metáforas, e mais provérbios, e mais imagens? 
De longe, o que eu suspeito é que as pessoas que dão a cara estão enfurecidas, sem ideias muito responsáveis, sem coragem de encarar o mais imediato, que é o dia a dia no seu mais inevitável conflito. As escolas são barris de pólvora, vamos trabalhar e vamos a elas entregar nossos filhos para a obrigação de estudar, com a melhor participação possível? 
As ruas numa parte do Brasil têm uma frota de carros absurdamente grande, por isso vamos com calma ao volante, tenhamos respeito dentro dos meios de transporte público, com o ciclista e como ciclista, com o pedestre e como pedestre.  
As greves nas universidades já eram uma opção quando eu ingressei no curso de Letras, em 1994. Desgastavam alunos, professores, não resultavam em muitas contratações (pelo menos não foi o que eu vi, como aluna), quebravam o semestre e o ano letivo e davam uma insegurança enorme no principal, que é o aprendizado (do conteúdo, da cidadania). Hoje, em algumas faculdades, foram colocados nos corredores até sofás e eletrodomésticos dos alunos, como forma de protesto. Quem resguarda o direito de outros membros da comunidade, que podem precisar transitar dentro dessas faculdades livremente? Quer dizer que a mais inteligente resposta aos tiranos é tiranizar os outros? 
Já escrevi muito superficialmente sobre uma ideia que eu conheci por meio de um livro de Alberto Manguel, escritor argentino, e agora volto a ela. O livro é No bosque do espelho. 
Ele tem um raciocínio bem fundamentado em autores conhecidos do público da literatura de ficção (como Borges, Kipling e Conrad). Na leitura que eu faço do capítulo VII, “Crime e Castigo”, ele mostra como prevalece entre nós a ideia de um direito à vingança. 
Segundo ele, essa ideia é o resultado de uma intolerância que, por sua vez, é retrato da estupidez de alguns regimes. Quem tem mais poder e não sabe usá-lo, oprime; quem é oprimido às vezes responde com a mesma estupidez das autoridades desse regime e, preso a ela, não enxerga mais e fica a falar e falar para os estereótipos, isto é, entra numa conversa enlouquecida com os únicos representantes que vê, sem suspeitar que existem, no próprio mundo dele, outros grupos, outras vozes, outras razões. 
Manguel salienta que entre a literatura que é mero rabisco (por mais refinada que seja) e a possibilidade que só ela dá de abrir horizontes a partir de rabiscos, existe uma saída digna até para quem foi tomado pela ideia de vingança. 
Está no final do capítulo, cujo subtítulo é “Idade da Vingança”, uma curta história real sobre um homem equilibrado que, depois de perder filho e nora, escolheu a vingança. Nas últimas linhas, o pote de ouro no final do arco-íris: quem tem força maior que a da vingança, quem tem um valor mais alto, precisa fazer bom uso dos seus argumentos e, com eles, apontar um caminho de mais dignidade. No caso verídico relatado por Manguel, estão um poeta e Mães da Plaza de Mayo, ambos oprimidos com a mais dura das crueldades. Um deles acaba persuadido pelo outro a crer na liberdade de nos distinguirmos dos opressores, ao abandonarmos a ideia de vingança. O resto é história. 

Extraído do site: http://www.ponderapandora.blogspot.pt/

Betina Ruíz 

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Conselho de Cidadãos - Exercer a Cidadania em Prol da Comunidade!

O Consulado-Geral do Brasil no Porto
cumprimenta a comunidade brasileira!


Conselho de Cidadãos

O Consulado-Geral informa que na reunião realizada em 10/09/2013, foi instituído o Conselho de Cidadãos, um canal de diálogo para auxiliar o trabalho da Repartição consular junto à comunidade brasileira local. No encontro, foi aprovado o Estatuto do Conselho, que estabelece os seguintes objetivos:

Objetivos Gerais

  1. Funcionar como um canal de comunicação e relacionamento entre o Consulado e a comunidade brasileira local, contribuindo para maior conhecimento e cooperação entre ambos;
  2. Promover ações de integração e valorização da comunidade brasileira;
  3. Contribuir para o aperfeiçoamento da prestação do serviço consular bem como dos meios de assistência às cidadãs e cidadãos brasileiros
  4. Exercer a representação junto ao Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior - CRBE.
Objetivos específicos
  • Estreitar laços entre o Consulado e a comunidade brasileira;
  • Reforçar a troca de ideias e informações sobre caminhos para a solução de problemas da comunidade brasileira;
  • Colaborar, em especial, na promoção dos direitos das crianças e adolescentes, mulheres e minorias;
  • Prestar apoio psicossocial a integrantes da comunidade brasileira;
  • Reunir propostas da comunidade brasileira, levando-as à consideração do Consulado;
  • Criar projetos que beneficiem a cidadã e o cidadão brasileiro, especialmente nas áreas de educação, da formação profissional e do empreendedorismo;
  • Criar mecanismos de produção e circulação de informações com vistas à melhoria do atendimento consular;
  • Contribuir para a divulgação da cultura brasileira;
  • Propagar as ações do Consulado-Geral junto à comunidade brasileira;
  • Informar o Consulado de violações aos direitos das cidadãs e cidadãos brasileiros;
  • Preparar e criação de um Conselho de Cidadania.

Em sua primeira composição, o Conselho, a ser presidido pelo Cônsul-Geral, está integrado pelos seguintes membros:

Titulares

- Ruth Teixeira, Coordenadora-Geral
- Rogério Lopes, Secretário- Executivo
- Betina Ruiz
- Cristina Bastos
- Guilherme Buest
- Hiran Fischer Trindade
- Mauro Prado
- William Chohffi

Suplentes

- Carmélio Cunha
- Cláudio da Rocha Brito
- Haroldo Rocha
- Melany Ciampi
- Sérgio Filipak

O Consulado-Geral informará a comunidade brasileira no norte de Portugal, por esta página eletrônica e por e-mail, dos resultados das reuniões, das iniciativas e atividades do Conselho de Cidadãos e poderá receber, a respeito, eventuais comentários e sugestões pelo e-mail gabinete.porto@itamaraty.gov.br.


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Violência de Género; o silêncio como cúmplice

No dia 25 Novembro, celebra-se o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) assinala esta efeméride lançando uma campanha de sensibilização sobre violência contra as mulheres. 

Este tipo de violência, ao contrário daquilo que se pensa, não é incomum... Se as imagens "chocam" e parecem demasiadas, a realidade é muito pior... São anos e anos de violação dos direitos humanos, anos e anos a sofrer de violência psicológica, insultos e muitas vezes agressões físicas.

A pergunta que sempre nos fazemos é por que estas mulheres sujeitam-se a estas situações de constantes humilhações. O crime de Violência contra a mulher tem contornos muito específicos, uma subtileza que se reedita no tempo e nos altos e baixos de uma relação de amor, controlo e dependência recíproca. 


Sem falar no investimento afectivo, na vergonha e culpa devido a uma relação  débil, com momentos de amor, carinho e afecto e outros permeados pela instabilidade emocional, agressividade e abusos... Este ciclo de tensão, agressão e "lua de mel", sustenta a esperança e dificulta o "desenlace". O luto pela relação "falhada" é adiado constantemente, assim como os votos de amor, companheirismo e protecção...

As questões práticas, como dependência financeira, emocional, medo de represálias e mais agressividade, sobretudo contra filhos e familiares próximos, reforça o comportamento de permanência. 

Aliado a este cenário desolador, temos o preconceito contra a mulher, ora velado, ora"escancarado" em todas as dimensões, sobretudo se a mulher for imigrante, de classe social desfavorável ou ainda com poucos recursos académicos e sociais, uma polícia de segurança muitas vezes mal preparada, uma justiça lenta e hipócrita e uma articulação entre estes organismos ineficaz.   

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Dicas valiosas para iniciar o Processo de Reeducação Alimentar




Como começar um processo de reeducação alimentar???

O princípio que alicerça a Reeducação Alimentar é acima de tudo o bom senso! Todos nós hoje em dia temos a noção daquilo que é prejudicial à nossa saúde: açucares, gorduras saturadas, álcool e farináceos (hidratos de carbono altamente refinados e de rápida absorção). Assim, devemos antes de mais nada, optar por uma alimentação simples! Esta questão entretanto será discutida noutra ocasião.


Todavia antes de iniciar o que quer que seja é fundamental ter um objectivo! Uma meta! Quando viajamos de férias, traçamos um plano: quais actividades pretende desenvolver, o local mais adequado, quais acomodações, etc. Com o processo de emagrecimento devemos fazer o mesmo! Precisamos criar um caminho neurológico para nos ajudar a chagar a nossa meta!

Assim, comece por pensar no "menor" e "maior" peso que já teve enquanto adulto. Não vale sabotar! Exemplo: menor peso 62 quilos e maior peso 100 quilos. Agora responda as seguintes questões: Qual o peso que neste momento, julga ser possível alcançar com a sua determinação? Resposta: 80


- Qual o peso que você gostaria de voltar a ter? O peso de "sonho"? Resposta: 68
Fixe estes dois números, eles serão os alicerces para o seu programa de reeducação alimentar. 
Faça uma lista com todas as razões que o levam a querer emagrecer, atenção, inclua nesta lista além do óbvio! (melhor saúde, mais disposição, etc.). Seja verdadeiro consigo mesmo e não se recrimine! (ex. quero ser admirado, quero sentir-me mais atraente, etc.), espalhe pela casa, nos lugares estratégicos! (frigorífico, despensa, etc.);
  • Mude a sua atitude em relação aos alimentos, pequenas mudanças ao longo do tempo, trazem fantásticos resultados! (diminua a quantidade de produtos industrializados, faça opções mais sensatas, etc.);
  • Não  passe o tempo todo pensando nos resultados! O importante e cumprir o compromisso com as mudanças gradualmente implementadas; 
  • Estipule uma data inicial e final para atingir cada um dos dois grandes "marcos" e avalie os resultados (no caso do exemplo 80 quilos e 68 quilos respectivamente); 
  • Coloque pequenas quantidades de alimento na boca e mastigue devagar, somente após 15 a 20 minutos do início da refeição, o cérebro reconhece o processo e envia uma resposta de saciedade;
  • Não "salte" refeições, não passe fome, procure ter consigo quantidades suficientes de frutas, iogurtes magros, barras de cereais; 
  • Beba bastante água ou chá sem açúcar, não tem calorias e desintoxica o corpo;
  • Quando fizer a lista de compras, dê preferência aos alimentos "de verdade", isto é, frutas, legumes, azeite de oliva, ovos, carnes, peixes, queijos magros. Tenha pequenas porções de nozes, castanhas do Pará e outras oleoginosas (ricas em vitaminas, minerais, antioxidantes e gordura de óptima qualidade), ajudam na saciedade e são óptimos para o coração;
  • Pese-se apenas uma vez por semana, sempre no mesmo dia e a mesma hora, de preferência pela manhã após ir a casa de banho e sem roupa, isso irá controlar a sua ansiedade;
  • Faça, se possível, algum tipo de actividade física (dançar é uma óptima opção!), ajuda na perda de peso, melhora o equilíbrio, a flexibilidade e aumenta a auto-estima e o convívio social;
Lembre-se: Não apresse o rio, ele corre sozinho! A motivação é fundamental, não hesite buscar o apoio de um coaching ou terapeuta, que o possa acompanhar neste processo! Em conjunto com outros profissionais você terá toda a assessoria de que precisa para chegar a sua meta!


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Violência de Género; Desconstrução de Estereótipos



Estou aqui a pensar no que vou escrever hoje... Se calhar vou partilhar convosco algumas inquietações... 


A Violência Doméstica é dos crimes que mais afectam idosos, mulheres, jovens e crianças em nossa sociedade. A violência é um comportamento deliberado e consciente. Actualmente o Conceito diz respeito a qualquer "Conduta ou omissão de natureza criminal, que inflija sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos, de modo directo ou indirecto, a qualquer pessoa que resida habitualmente no mesmo espaço doméstico ou que, não residindo, seja cônjuge ou ex-cônjuge, companheiro/a ou ex-companheiro/a, namorado/a ou ex-namorado/a, ou progenitor, ascendente ou descendente, por consanguinidade, adopção ou afinidade".

É considerada violência de género, aquela que é exercida de um sexo sobre o sexo oposto. Em geral, o conceito refere-se à violência contra a mulher, sendo que o sujeito passivo é uma pessoa do género feminino.Os casos de violência familiar ou de violência no lar, raramente são denunciados, por uma questão de vergonha ou por receio.

Muitos dos actuais agressores, foram crianças que viveram na própria "pele" essa experiência avassaladora, seja no papel de vítima ou expectador. Muitos adultos que hoje agridem os pais, filhos ou companheiras, presenciaram durante anos a fio, o mesmo modelo de relacionamento, agora perpetuado. Embora essas experiências do passado não possam justificar plenamente o actual comportamento, já que nem todas as pessoas que foram agredidas ou presenciaram agressões, passam a agir assim no futuro, o fenómeno da re-traumatização é conhecido e legitimado.

Existem muito factores implicados nesta dinâmica, todavia o objectivo aqui e agora é tentar identificar onde podemos efectivamente actuar, como Cidadãos, Pais, Educadores... O que podemos fazer hoje, para que no futuro, os nossos jovens sejam adultos mais ajustados, tolerantes e felizes? Mais uma vez estamos diante de uma multiplicidade de factores...
Um dos pontos que muito se discute na actualidade é a questão do "género". Ou seja, ser rapaz ou rapariga... Mas o que isso quer dizer em concreto? 

A violência doméstica é sobretudo praticada pelo marido, companheiro ou namorado, contra a mulher. O interior das próprias casas, continua a ser o local menos seguro, já que mais de 80% dos casos de agressão, são ai praticados.  "Um cenário que resulta principalmente de factores estruturais – associados à desigualdade de género – os quais estão enraizados nas mentalidades e condutas de homens e mulheres e que são de mudança lenta"... 

As características atribuídas ao que é ser homem ou mulher são produzidas e modificadas por meio do contexto histórico e dos grupos culturais nos quais fomos educados e em um determinado momento histórico. Nascemos pertencentes, biologicamente, a um determinado sexo, mas será pela convivência com os valores culturais de uma determinada sociedade, em uma determinada época, e do grupo social do qual fazemos parte que nos identificaremos como homem ou mulher.

Os comportamentos e as expectativas sobre o que é adequado a cada género é reeditado e são estes mesmos comportamentos e expectativas que estão na base do crime de Violência contra a mulher. Será que valorizamos as mesmas características humanas nos homens e nas mulheres? Criamos com os mesmos valores os nossos filhos e filhas???

Assim sendo e conforme discussão neste dia 28 de Novembro, na 3ªs Jornadas sobre Género e Responsabilização, promovida pela Cruz Vermelha Portuguesa (Delegação de Matosinhos), responda as seguintes questões e reflicta sobre elas:



Caso seja um homem:
O que é para você ser homem?
O que a sociedade espera de um homem?

Caso seja uma mulher:
O que é para você ser mulher?
O que a sociedade espera de uma mulher?


A educação e os valores que transmitimos aos nossos filhos, são fundamentais para a Desconstrução de Estereótipos...


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Primeiro Ano! Atendimento Psicológico através do Consulado Geral do Brasil no Porto



Os desafios que encontramos ao longo da vida, dão sentido a nossa existência e motivação para adquirirmos novas competências, crescimento pessoal e profissional. 

Assinalo com muito orgulho esta data! O tempo passou a voar, mas já faz um ano!

A necessidade de dar respostas às mais variadas demandas é sem dúvida um desafio constante e muito enriquecedor! 

A crescente procura pelo Apoio Psicológico demonstra o reconhecimento da profissão, através da qual se pode alcançar pelo aconselhamento e psicoterapia breve a mediação de conflitos, a resolução de problemas, a estabilidade diante de transtornos de ansiedade e depressivos, o controle das síndromes dolorosas, a dessensibilização e reprocessamento de experiências traumáticas, o aumento da performance profissional e pessoal e tudo o que directa ou indirectamente diz respeito ao Ser humano.

A Psicologia, assim como outras ciências, evoluiu muito nas últimas duas décadas, pelo que abordagens revolucionárias (como o E.M.D.R - Eye Movement Desensitization and Reprocessing), são hoje uma realidade em muitos consultórios espalhados pelo mundo! Sinto-me particularmente honrada pela possibilidade de utilizar esta fantástica ferramenta, num contexto social e assim beneficiar quem dela necessite.

Só tenho a agradecer a todos que de alguma forma viabilizaram a concretização deste e de muitos outros projectos!


O meu muito obrigada!

terça-feira, 3 de setembro de 2013

VOLTA ÀS AULAS - ALIMENTE O SEU CÉREBRO!


Incansável, trabalhadora e resistente a múltiplas fontes de desgaste e stress, a mente humana necessita de diversos nutrientes e determinadas atividades para se manter vigorosa e em pleno funcionamento. Descubra como pode ajudar a manter o seu cérebro saudável, de acordo com o Instituto da Inteligência.

O cérebro humano é uma estrutura complexa, da qual dependem a nossa capacidade para andar, ver, ouvir, perceber, pensar, criar, aprender, tomar decisões, sentir e tantas outras atividades fundamentais para a nossa sobrevivência e evolução da inteligência. 

No entanto, este órgão, por muito forte ou invencível que possa parecer, não irá permanecer assim para sempre. Tal como com qualquer outra parte do corpo, o cérebro envelhece e enfraquece com o passar do tempo. O stress, a fadiga e o envelhecimento deixam as suas marcas na mente humana, mas existem formas de reabilitar e otimizar o funcionamento do cérebro. 

Para que funcione eficazmente, este órgão necessita de ser alimentado e estimulado, até porque é um verdadeiro comilão. Sozinho consome entre 25% e 30% da energia que o organismo consegue produzir através dos alimentos. Conheça as recomendações propostas pelo Instituto da Inteligência e aumente a performance do seu cérebro.

1. Faça uma dieta com baixo teor de gordura. A gordura em excesso prejudica a circulação sanguínea no cérebro e produz radicais livres que envelhecem prematuramente as células nervosas, dificultando as funções cognitivas.

2. Consuma alimentos através dos quais poderá obter nutrientes vitais, como as vitaminas A, B1,B6, B12, C, E, minerais como o magnésio, o selénio e o zinco, e os ácidos gordos Ómega-3. Poderá encontrar estes nutrientes em cereais integrais, fruta, legumes, frutos secos, ovos, azeite, salmão, atum, sardinha e carne. 

3. Aposte numa dieta com restrição de calorias, pois favorece a longevidade e a destreza mental, e promova uma dieta equilibrada onde estejam presentes todos os tipos de fibras, vegetais, fruta e proteínas não-animais, bem como laticínios desnatados e carne magra. Se for necessário, tome suplementos vitamínicos para compensar os desequilíbrios resultantes de refeições pobres e apressadas.

4. Respire bem através de uma postura correta e de exercícios físicos moderados, como por exemplo, caminhadas de pelo menos 30 minutos diários para manter a função cerebral ativa.

5. Pratique atividades regulares de ativação dos sentidos, do pensamento, da criatividade e da inteligência para "exercitar" o cérebro e revigorar a mente, igualmente conhecidas como neuróbica.

6. Dedique-se a atividades prazerosas que lhe permitam perder a noção do tempo e do espaço, entrando num estado de profunda concentração. 

7. Durma o tempo necessário para que o cérebro recupere da energia dispendida ao longo do dia e realize todas as suas funções essenciais.


Fonte: Instituto da Inteligência

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A VIOLÊNCIA DE GÉNERO


A Violência de Gênero

Para superação da hostilidade da natureza no início dos tempos, como forma de sobrevivência, o homem primitivo teve como princípio vital o fenômeno da violência. Hoje, ela assume uma nova face: a de continuar existindo como consequência da organização humana no mundo. Outrora e atualmente, retrata o homem e a mulher diante das desigualdades da relação entre superior e inferior, utilizando o poder com fins de dominação, exploração e opressão.
A violência é um desequilíbrio entre fortes e oprimidos. A violência em suas mais variadas facetas, afeta a saúde, ameaça a vida, produz danos psicológicos e emocionais e, por fim, provoca a morte. A violência não é só a agressão física, ela é a própria tirania, colocando a mulher sob o jugo do agressor e resultando assim, a situação de dominação. A violência física é um dos instrumentos que o indivíduo usa para dominar outra pessoa.
O insulto, a humilhação, a agressão sexual são formas de sujeição da mulher, com o intuito de manter o controle total. Violência de gênero é violência contra a mulher pelo simples fato de ser mulher. E para ilustrar nossa fala exemplificamos com uma situação de violência doméstica e familiar que aconteceu neste Carnaval de 2012 no interior de Mato Grosso. O fato aconteceu no último dia 17, na cidade de Confresa (a 1200 km de Cuiabá), quando um homem de iniciais G.C.A., de 20 anos, após ter um pedido de sexo negado pela mulher, começou a agredir a esposa M.M.S., de 29 anos.
De acordo com informações apuradas pelo Portal Agência da Notícia, G.C.A. chegou em casa em visível estado de embriagues e queria fazer sexo a força com a esposa e esta se recusou. O marido, então, teria partido para agressão, puxando-a, pelos cabelos, para o quarto. Ainda segundo a polícia, como não conseguiu levar a esposa para o quarto, o marido pegou uma faca e começou a ameaçá-la. Em meio à confusão, uma vizinha foi até a residência do casal para saber o que estava acontecendo. Aproveitando a presença da vizinha, a esposa então acionou a Polícia Militar, que prendeu o suspeito, que foi encaminhado para a delegacia de Polícia Civil. O “homem das cavernas” deve responder pela lei Maria da Penha.
Porque tanta violência?
Denunciar as situações de violência pelas quais as mulheres passam é fundamental para conhecimento dessa realidade e garantir o fim da impunidade dos agressores. Este é apenas um dos casos que chegam ao conhecimento público. Minha preocupação é com aqueles que não chegam; com aquelas milhares de mulheres deste Estado e deste país que ainda sofrem caladas tamanha barbárie.
Ana Emilia Iponema Brasil Sotero é professora, advogada, doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais, palestrante sobre violência de gênero, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Mato Grosso e escreve exclusivamente para este blog toda sexta-feira -  http://facebook.com/AnaEmiliaBrasil

terça-feira, 27 de agosto de 2013

sábado, 22 de junho de 2013

ACORDEI DOENTE MENTAL


A poderosa American Psychiatric Association (Associação Americana de Psiquiatria – APA) lançou neste final de semana a nova edição do que é conhecido como a “Bíblia da Psiquiatria”: o DSM-5. E, de imediato, virei doente mental. Não estou sozinha. Está cada vez mais difícil não se encaixar em uma ou várias doenças do manual. Se uma pesquisa já mostrou que quase metade dos adultos americanos tiveram pelo menos um transtorno psiquiátrico durante a vida, alguns críticos renomados desta quinta edição do manual têm afirmado que agora o número de pessoas com doenças mentais vai se multiplicar. E assim poderemos chegar a um impasse muito, mas muito fascinante, mas também muito perigoso: a psiquiatria conseguiria a façanha de transformar a “normalidade” em “anormalidade”. O “normal” seria ser “anormal”. 

A nova edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) exibe mais de 300 patologias, distribuídas por 947 páginas. Custa US$ 133,08 (com desconto) no anúncio de pré-venda no site da Amazon. Descobri que sou doente mental ao conhecer apenas algumas das novas modalidades, que tem sido apresentadas pela imprensa internacional. Tenho quase todas. “Distúrbio de Hoarding”. Tenho. Caracteriza-se pela dificuldade persistente de se desfazer de objetos ou de “lixo”, independentemente de seu valor real. Sou assolada por uma enorme dificuldade de botar coisas fora, de bloquinhos de entrevistas dos anos 90 a sapatos imprestáveis para o uso, o que resulta em acúmulos de caixas pelo apartamento. Remédio pra mim. “Transtorno Disfórico Pré-Menstrual”, que consiste numa TPM mais severa. Culpada. Qualquer um que convive comigo está agora autorizado a me chamar de louca nas duas semanas anteriores à menstruação. Remédio pra mim. “Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica”. A pessoa devora quantidades “excessivas” de comida num período delimitado de até duas horas, pelo menos uma vez por semana, durante três meses ou mais. Certeza que tenho. Bastaria me ver comendo feijão, quando chego a cinco ou seis pratos fundo fácil. Mas, para não ter dúvida, devoro de uma a duas latas de leite condensado por semana, em menos de duas horas, há décadas, enquanto leio um livro igualmente delicioso, num ritual que eu chamava de “momento de felicidade absoluta”, mas que, de fato, agora eu sei, é uma doença mental. Em vez de leite condensado, remédio pra mim. Identifiquei outras anomalias, mas fiquemos neste parágrafo gigante, para que os transtornos psiquiátricos que me afetam não ocupem o texto inteiro. 

Há uma novidade mais interessante do que as doenças recém inventadas pela nova “Bíblia”. Seu lançamento vem marcado por uma controvérsia sem precedentes. Se sempre houve uma crítica contundente às edições anteriores, especialmente por parte de psicólogos e psicanalistas, a quinta edição tem sido atacada com mais ferocidade justamente por quem costumava não só defender o manual, como participar de sua elaboração. Alguns nomes reluzentes da psiquiatria americana estão, digamos, saltando do navio. Como não há cordeiros nesse campo, movido em parte pelos bilhões de dólares da indústria farmacêutica, é legítimo perguntar: perceberam que há abusos e estão fazendo uma “mea culpa” sincera antes que seja tarde, ou estão vendo que o navio está adernando e querem salvar o seu nome, ou trata-se de uma disputa interna de poder em que os participantes das edições anteriores foram derrotados por outro grupo, ou tudo isso junto e mais alguma coisa?  

Não conheço os labirintos da APA para alcançar a resposta, mas acredito que vale a pena ficarmos atentos aos próximos capítulos. Por um motivo acima de qualquer suspeita: o DSM influencia não só a saúde mental nos Estados Unidos, mas é o manual utilizado pelos médicos em praticamente todos os países, pelo menos os ocidentais, incluindo o Brasil. É também usado como referência no sistema de classificação de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS). É, portanto, o que define o que é ser “anormal” em nossa época – e este é um enorme poder. Vale a pena sublinhar com tinta bem forte que, para cada nova patologia, abre-se um novo mercado para a indústria farmacêutica. Esta, sim, nunca foi tão feliz – e saudável. 

O crítico mais barulhento do DSM-5 parece ser o psiquiatra Allen Frances, que, vejam só, foi o coordenador da quarta edição do manual, lançada em 1994. Professor emérito da Universidade de Duke, ele tem um blog no Huffington Post que praticamente usa apenas para detonar a nova Bíblia da Psiquiatria. Quando a versão final do manual foi aprovada, enumerou o que considera as dez piores mudanças da quinta edição, num texto iniciado com a seguinte frase: “Esse é o momento mais triste nos meus 45 anos de carreira de estudo, prática e ensino da psiquiatria”. Em carta ao The New York Times, afirmou: “As fronteiras da psiquiatria continuam a se expandir, a esfera do normal está encolhendo”.  

Entre suas críticas mais contundentes está o fato de o DSM-5 ter transformado o que chamou de “birra infantil” em doença mental. A nova patologia é chamada de “Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor” e atingiria crianças e adolescentes que apresentassem episódios frequentes de irritabilidade e descontrole emocional. No que se refere à patologização da infância, o comentário mais incisivo de Allen Frances talvez seja este: “Nós não temos ideia de como esses novos diagnósticos não testados irão influenciar no dia a dia da prática médica, mas meu medo é que isso irá exacerbar e não amenizar o já excessivo e inapropriado uso de medicação em crianças. Durante as duas últimas décadas, a psiquiatria infantil já provocou três modismos — triplicou o Transtorno de Déficit de Atenção, aumentou em mais de 20 vezes o autismo e aumentou em 40 vezes o transtorno bipolar na infância. Esse campo deveria sentir-se constrangido por esse currículo lamentável e deveria engajar-se agora na tarefa crucial de educar os profissionais e o público sobre a dificuldade de diagnosticar as crianças com precisão e sobre os riscos de medicá-las em excesso. O DSM-5 não deveria adicionar um novo transtorno com o potencial de resultar em um novo modismo e no uso ainda mais inapropriado de medicamentos em crianças vulneráveis". 

A epidemia de doenças como TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) tem mobilizado gestores de saúde pública, assustados com o excesso de diagnósticos e a suspeita de uso abusivo de drogas como Ritalina, inclusive no Brasil. E motivado algumas retratações por parte de psiquiatras que fizeram seu nome difundindo a doença. Uma reportagem do The New York Times sobre o tema conta que o psiquiatra Ned Hallowell, autor de best-sellers sobre TDAH, hoje arrepende-se de dizer aos pais que medicamentos como Adderall e outros eram “mais seguros que Aspirina”. Hallowell, agora mais comedido, afirma: “Arrependo-me da analogia e não direi isso novamente”. E acrescenta: “Agora é o momento de chamar a atenção para os perigos que podem estar associados a diagnósticos displicentes. Nós temos crianças lá fora usando essas drogas como anabolizantes mentais – isso é perigoso e eu odeio pensar que desempenhei um papel na criação desse problema”. No DSM-5, a idade limite para o aparecimento dos primeiros sintomas de TDAH foi esticada dos 7 anos, determinados na versão anterior, para 12 anos, aumentando o temor de uma “hiperinflação de diagnósticos”.

Pensar sobre a controvérsia gerada pelo nova “Bíblia da Psiquiatria” é pensar sobre algumas construções constitutivas do período histórico que vivemos. Construções culturais que dizem quem somos nós, os homens e mulheres dessa época. A começar pelo fato de darmos a um grupo de psiquiatras o poder – incomensurável – de definir o que é ser “normal”. E assim interferir direta e indiretamente na vida de todos, assim como nas políticas governamentais de saúde pública, com consequências e implicações que ainda precisam ser muito melhor analisadas e compreendidas. Sem esquecer, em nenhum momento sequer, que a definição das doenças mentais está intrinsecamente ligada a uma das indústrias mais lucrativas do mundo atual.

Parte dos organizadores não gosta que o manual seja chamado de “Bíblia”. Mas, de fato, é o que ele tem sido, na medida em que uma parcela significativa dos psiquiatras do mundo ocidental trata os verbetes como dogmas, alterando a vida de milhões de pessoas a partir do que não deixa de ser um tipo de crença. Talvez seja em parte por isso que o diretor do National Institute of Mental Health (Instituto Nacional de Saúde Mental – NIMH), possivelmente a maior organização de pesquisa em saúde mental do mundo, tenha anunciado o distanciamento da instituição das categorias do DSM-5. Thomas Insel escreveu em seu blog que o DSM não é uma Bíblia, mas no máximo um “dicionário”: “A fraqueza (do DSM) é sua falta de fundamentação. Seus diagnósticos são baseados no consenso sobre grupos de sintomas clínicos, não em qualquer avaliação objetiva em laboratório. (...) Os pacientes com doenças mentais merecem algo melhor”. O NIMH iniciou um projeto para a criação de um novo sistema de classificação, incorporando investigação genética, imagens, ciência cognitiva e “outros níveis de informação” – o que também deve gerar controvérsias.

A polêmica em torno do DSM-5 é uma boa notícia. E torço para que seja apenas o início de um debate sério e profundo, que vá muito além da medicina, da psicologia e da ciência. “Há pelo menos 20 anos tem se tratado como doença mental quase todo tipo de comportamento ou sentimento humano”, disse a psicóloga Paula Caplan à BBC Brasil. Ela afirma ter participado por dois anos da elaboração da edição anterior do manual, antes de abandoná-la por razões “éticas e profissionais”, assim como por ter testemunhado “distorções em pesquisas”. Escreveu um livro com o seguinte título: “Eles dizem que você é louco: como os psiquiatras mais poderosos do mundo decidem quem é normal”.

A vida tornou-se uma patologia. E tudo o que é da vida parece ter virado sintoma de uma doença mental. Talvez o exemplo mais emblemático da quinta edição do manual seja a forma de olhar para o luto. Agora, quem perder alguém que ama pode receber um diagnóstico de depressão. Se a tristeza e outros sentimentos persistirem por mais de duas semanas, há chances de que um médico passe a tratá-los como sintomas e faça do luto um transtorno mental. Em vez de elaborar a perda – com espaço para vivê-la e para, no tempo de cada um, dar um lugar para essa falta que permita seguir vivendo –, a pessoa terá sua dor silenciada com drogas. É preciso se espantar – e se espantar muito.

Vale a pena olhar pelo avesso: quem são essas pessoas que acham que o “normal” é superar a perda de uma mãe, de um pai, de um filho, de um companheiro rapidamente? Que tipo de ser humano consegue essa proeza? Quem seríamos nós se precisássemos de apenas duas semanas para elaborar a dor por algo dessa magnitude? Talvez o DSM-5 diga mais dos psiquiatras que o organizaram do que dos pacientes. 

Há ainda mais uma consequência cruel, que pode provocar muito sofrimento. Ao transformar o que é da vida em doença mental, os defensores dessa abordagem estão desamparando as pessoas que realmente precisam da sua ajuda. Aquelas que efetivamente podem ser beneficiadas por tratamento e por medicamentos. Se quase tudo é patologia, torna-se cada vez mais difícil saber o que é, de fato, patologia. Por sorte, há psiquiatras éticos e competentes que agem com consciência em seus consultórios. Mas sempre foi difícil em qualquer área distinguir-se da manada – e mais ainda nesta área, que envolve o assédio sedutor, lucrativo e persistente dos laboratórios. 

Se as consequências não fossem tão nefastas, seria até interessante. Ao considerar que quase tudo é “anormal”, os organizadores do manual poderiam estar chegando a uma concepção filosófica bem libertadora. A de que, como diria Caetano Veloso, “de perto ninguém é normal”. E não é mesmo, o que não significa que seja doente mental por isso e tenha de se tornar um viciado em drogas legais para ser aceito. Só se pode compreender as escolhas de alguém a partir do sentido que as pessoas dão às suas escolhas. E não há dois sentidos iguais para a mesma escolha, na medida em que não existem duas pessoas iguais. A beleza do humano é que aquilo que nos une é justamente a diferença. Somos iguais porque somos diferentes. 

Esse debate não pertence apenas à medicina, à psicologia e à ciência, ou mesmo à economia e à política. É preciso quebrar os monopólios sobre essa discussão, para que se torne um debate no âmbito abrangente da cultura. É de compreender quem somos e como chegamos até aqui que se trata. E também de quem queremos ser. A definição do que é “normal” e “anormal” – ou a definição de que é preciso ter uma definição – é uma construção cultural. E nos envolve a todos. Que cada vez mais as definições sobre normalidade/anormalidade sejam monopólios da psiquiatria e uma fonte bilionária de lucros para a indústria farmacêutica é um dado dos mais relevantes – mas está longe de ser tudo.E não, eu não acordei doente mental. Só teria acordado se permitisse a uma Bíblia – e a pastores de jaleco – determinar os sentidos que construo para a minha vida.  
Eliane Brum
Extraído da revista Época: