domingo, 27 de março de 2016


Re-significar a Morte para honrar a Vida!

A morte e o morrer são sempre temas sensíveis de abordar, sobretudo porque tocam a todos nós e aos que conhecemos direta ou indiretamente e diz respeito às experiências do passado, presente e futuro, do qual ninguém fica indiferente.
Contudo, ainda que desde o primeiro suspiro de vida, esteja implícito o derradeiro momento da morte, ninguém (geralmente), nos ensina a morrer!

Com frequência somos “impedidos” de manter um “contato saudável” com a morte, que geralmente ou é tratada como um tema “tabu” e por isso nunca assunto natural de conversas entre familiares e amigos, ou tema de extrema “banalização” (consoante diversos fatores que não cabem aqui, descortinar).

A perda de um ente querido é sem sombra de dúvida uma experiência devastadora – a teoria da vinculação de Bowlby (1980 cit. por Sanders, 1999) diz respeito aos laços afetivos que são criados pela familiaridade e proximidade com as figuras parentais no início da vida. Eles surgem da necessidade que se tem de se sentir seguro e protegido.

A morte não é pensada como um evento natural da vida, ao contrário, é colocada habitualmente num futuro distante e sempre relacionada ao outro. Sentimentos negativos afloram com a morte - insucesso, impotência, rancor, indignação, dor, culpa, perplexidade, desamparo, injustiça diante da perda, etc.

A morte na cultura ocidental, talvez represente de forma mais traumática o sentimento de perda, sobretudo porque evitamos pensar na hipótese de “deixar de ter”, seja o que for! A sociedade e a família mudaram a maneira de ver e “viver” a morte, ainda que a religião, cultura, rituais mortuários, experiências anteriores e muitos outros fatores interfiram na forma como representamos e enfrentamos a morte e o morrer.

Na sociedade capitalista, produtiva e supostamente “saudável”, não existe lugar para a morte, que fica sempre à margem, a espreita de outra “vítima”. A morte não é um castigo, todos nós, bons ou não, vamos morrer! Não existe morte “boa” ou “má” – qualquer morte implica dor, sofrimento, pesar, tristeza…
Do ponto de vista psicológico, existem quatro tarefas essenciais no processo de luto, que devem ser concretizadas para que o equilíbrio seja restabelecido: 

Aceitar a realidade da perda
A aceitação da perda envolve não apenas um processo cognitivo (intelectual), mas sobretudo emocional, que demora o seu tempo cronológico e varia muito de pessoa para pessoa. Os rituais tradicionais (funeral, missas, ou outros consoante a religião), ajudam muitos enlutados a avançarem na aceitação da perda.

Elaborar a dor da perda
A pessoa em luto tem que ter “espaço” para vivenciar a dor causada pela perda (evitar ou suprimir a expressão dessa dor ira provavelmente, prolongar o processo do luto).

Ajustar-se a um ambiente em que o falecido está ausente
Ajustar-se a um novo ambiente tem diferentes significados, dependendo da relação que se tinha com a pessoa falecida e os vários papéis que ela desempenhava. Ainda assim envolve geralmente ajustamentos externos (funcionamento diário no mundo), ajustamentos internos (sentido de si mesmo) e ajustamento de crenças (valores, crenças, considerações sobre o mundo).

Reposicionar em termos emocionais a pessoa que faleceu e prosseguir com a vida.
As memórias de uma relação significativa vão sempre permanecer! Contudo, de acordo com Volkan (cit. por Worden, 1991), o processo de luto termina, quando o enlutado deixar de ter necessidade de reativar a representação do falecido, com uma intensidade exagerada no quotidiano.

Essa parece ser a tarefa mais difícil de alcançar – algumas pessoas ficam condicionadas (presas) a ela e não raro, tomam consciência disso muito tempo depois, quando percebem que as suas vidas ficaram estagnadas após a perda.

Quando uma pessoa consegue recordar, falar e partilhar experiências do falecido sem dor, ainda que com saudades e permite-se reinvestir as suas emoções na vida e nos vivos, podemos dizer efetivamente que o processo do luto está concluído.

A morte demanda aceitação, renuncia, compreensão, aprendizagem e reposicionamentos… Não, não é fácil, mas é preciso seguir adiante, ultrapassar limites, crenças e a própria dor!


Ana Saladrigas