quinta-feira, 7 de agosto de 2014

EXCELENTE ARTIGO SOBRE DEPRESSÃO! Em busca da cura.



As estimativas variam. Mas sem nos deixarmos seduzir pelo exagero, é muito provável que pelo menos um em cada dez de nós enfrente a depressão em algum momento da vida. Os sintomas são cruéis: incluem perda de interesse na vida, insônia, impotência, exaustão crônica e até mesmo aumento do risco de doenças, como cardiopatias. A [...]

As estimativas variam. Mas sem nos deixarmos seduzir pelo exagero, é muito provável que pelo menos um em cada dez de nós enfrente a depressão em algum momento da vida. Os sintomas são cruéis: incluem perda de interesse na vida, insônia, impotência, exaustão crônica e até mesmo aumento do risco de doenças, como cardiopatias. A patologia também leva ao isolamento, uma tendência agravada ainda mais pelo estigma associado ao quadro, o que faz com que tanta gente evite procurar tratamento. Quando não tratada, a depressão pode levar ao suicídio – a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a cada 40 segundos uma pessoa atente contra a própria vida de forma direta. Todos esses fatores contribuem para que quadros depressivos sejam hoje considerados como principal causa de incapacitação.

Mas, afinal, o que leva alguém à depressão? A questão, tão complexa, pode ser compreendida sob vários olhares. Fatores genéticos e experiências vividas com pais na infância podem ter grande influência para o aparecimento da doença. Nada disso, porém, determina com certeza que a pessoa apresentará sintomas. Há características específicas de cada um que fazem com que pessoas diferentes reajam de formas diversas às mesmas experiências (veja artigo na pág. 22). Para a psicanálise, a depressão pode ser entendida como o rompimento da rede de sentidos e amparo. “É o momento em que o psiquismo falha em sua atividade ilusionista e deixa entrever o vazio que nos cerca, ou o vazio que o trabalho psíquico tenta cercar; é o momento de um enfrentamento insuportável com a verdade”, afirma a psicanalista Maria Rita Khel, autora do livro O tempo e o cão (Boitempo), ganhador do prêmio Jabuti de melhor livro do ano de não ficção em 2010, que trata do tema da depressão. Algumas pessoas conseguem evitá-lo a vida toda, outras passam por ele em circunstâncias traumáticas e saem do outro lado. “Mas há os que não conhecem outro modo de existir; são órfãos da proteção imaginária do ‘amor’, trapezistas que oscilam no ar sem nenhuma rede protetora embaixo deles.”

O escritor americano Andrew Solomon, autor do livro O demônio do meio-dia (2002), no qual discorre amplamente sobre a depressão, escreve: “A depressão é uma imperfeição do amor”. Por cinco anos ele pesquisou a patologia – relatos de pacientes, causas e efeitos, tratamentos, hipóteses bioquímicas, estatísticas. Recolheu histórias de vida de dezenas de pessoas que passaram por crises depressivas. O trabalho é embasado em sua própria vivência de episódios de depressão.

Do ponto de vista estritamente biológico, há consenso de que a patologia resulta de um desequilíbrio químico no cérebro. E a serotonina é o principal “suspeito” de ser o vilão da história, já que muitos estudos têm relacionado a depressão a baixos níveis do neurotransmissor, o que dificulta a propagação de mensagens através das sinapses (os pequenos espaços entre os neurônios).

A teoria era de que um aumento nos níveis de serotonina deve retornar dinâmica neural e o humor para níveis “normais”. O primeiro medicamento baseado na hipótese de serotonina – fluoxetina, mais conhecida como Prozac – foi lançado no final dos anos 80 e quase todos os antidepressivos subsequentes têm operado com o mesmo princípio geral: manter os níveis de serotonina elevados, impedindo o cérebro de reabsorvê-los.

Mas há um porém: embora tais drogas permaneçam como ferramentas importantes no combate da depressão, esses produtos parecem estar ficando cada vez menos eficazes. Há duas décadas 1,5% da população dos Estados Unidos sofria de depressões que exigiam tratamento. Hoje, esse número subiu para 5%. Parece impossível não se perguntar se a doença cresce com o desenvolvimento da medicina ou se a indústria farmacêutica produz as doenças para os remédios que desenvolve, do mesmo modo que outros ramos empresariais criam mercados para seus produtos.

Estudos clínicos desenvolvidos entre 1980 e 1990 indicaram que essas drogas ajudariam em torno de 85% dos pacientes a entrar em remissão. Mas os estudos na década de 2000 mostraram que os antidepressivos-padrão funcionam apenas em 60% a 70% dos casos – um declínio ressaltado quando o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês), em Bethesda, Maryland, publicou os resultados de uma ampla pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos. Ao contrário de inúmeros ensaios farmacêuticos – que muitas vezes “filtram” participantes – este foi o primeiro a medir a eficácia dos antidepressivos em uma amostra da população do mundo real.

O que pode explicar a aparente diminuição na potência de antidepressivos? Talvez os próprios fármacos nunca tenham sido tão eficazes como foi apregoado pela mídia. Para aprovar determinado medicamento, a Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador dos Estados Unidos, só requer dois estudos de grande escala para verificar se a droga é superior a um placebo. No entanto, as empresas farmacêuticas não têm obrigação de fornecer ao FDA todos os estudos que realizaram, apenas os positivos.

Se de um lado pesquisas recentes trazem resultados preocupantes, de outro é inegável que para inúmeras pessoas que sofrem de formas mais graves da patologia os medicamentos se caracterizam como sinal de esperança – ainda que não sejam soluções definitivas e prontas como tantos anseiam. Mesmo sabendo já de antemão que novos produtos não funcionarão igualmente bem para todos, eles trazem alguma esperança.

Uma dessas substâncias, ainda em estudo, voltada para pacientes resistentes aos antidepressivos é a cetamina (ou quetamina), anestésico já usado de maneira ilícita como alucinógeno. No maior estudo clínico até o momento, com 72 participantes, pesquisadores da Escola de Medicina Icahn, no hospital da Universidade Monte Sinai, em Nova York, descobriram que pessoas que não conseguiram responder a nenhum outro tratamento experimentaram alívio de pensamentos suicidas.

Cientistas ainda não sabem precisar o risco da droga, nem quando estará liberada para consumo, mas estudos mostram que, aplicada por meio de injeção, tem potencial de desbloquear receptores de glutamato (neurotransmissores que estimulam as sinapses e, segundo vários pesquisadores, têm níveis muito baixos no cérebro de pessoas deprimidas). Uma vantagem da droga é fazer efeito em menos de uma hora, principalmente considerando que os antidepressivos que existem atualmente no mercado levam pelo menos 15 dias para começar a fazer efeito – uma eternidade para quem está mergulhado no sofrimento. O glutamato desempenha papel fundamental no cérebro, favorecendo processos complexos como aprendizagem, motivação e memória e plasticidade. Vários pesquisadores acreditam que os níveis de glutamato são muito baixos no cérebro da pessoa deprimida, assim como acontece com os de serotonina.

Mas é aí que termina a semelhança. Em vez de simplesmente ajudar no transporte de mensagens entre os neurônios, o neurotransmissor pode influir na plasticidade, contribuindo para incrementar a capacidade de reparação dos neurônios. Essa hipótese é coerente com uma teoria que vem ganhando destaque nos últimos anos, segundo a qual a depressão faz com que alguns dos prolongamentos das extremidades dos neurônios, os dendritos, tendam a murchar. É como se as sinapses se tornassem “pontes quebradas”, o que impede a transmissão das mensagens. Entre outras evidências para apoiar essa teoria está a constatação de que cada episódio sucessivo de depressão parece deixar as pessoas mais vulneráveis a um episódio subsequente.

Outra técnica experimental no Brasil, que também acena como perspectiva para pessoas em estado grave, que não respondem a outros tratamentos, é a estimulação cerebral profunda (DBS, na sigla em inglês). Nesse caso, os médicos colocam cirurgicamente dois eletrodos no cérebro. Os dispositivos, ligados a uma bateria presa ao tronco do paciente, enviam impulsos elétricos constantes. A proposta é que a estimulação promova a liberação de neurotransmissores, causando a diminuição dos sintomas.

Já a estimulação magnética transcraniana (EMT) superficial, reconhecida há um ano no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina, favorece a circulação sanguínea por meio da ação de ondas eletromagnéticas. Indolor e não invasivo, o tratamento estimula a atividade cerebral e é indicado para pessoas que não respondem aos medicamentos nem às psicoterapias. Atualmente pesquisadores estão testando também formas profundas de estimulação.

Ao mesmo tempo, inúmeros estudos já demonstraram que no caso de depressões leves – as mais comuns – o desempenho dos antidepressivos equivale ao do placebo (substância neutra que pode desencadear efeitos psicológicos que tendem a não se manter). Diante disso, cada vez mais psicólogos, médicos e outros profissionais da área da saúde se dão conta de que uma única intervenção pode ser pouco para aliviar o sofrimento dos pacientes: a associação de vários tratamentos, que se adequem a cada pessoa, parece ser o mais eficaz. Nesse sentido, a psicoterapia aparece como um caminho fundamental na busca da saúde.

Há, por exemplo, psicólogos que defendem a ideia de que deprimidos crônicos tendem a se sentir desamparados ao entrar em contato com outras pessoas – e esse sintoma frequentemente tem raízes nas experiências de negligência emocional nos primeiros anos de vida. Assim, trabalham com o objetivo de familiarizar esses pacientes com experiências interpessoais, ajudando-os a perceber que a forma como agem causa efeito nas outras pessoas e no ambiente. Para tanto, em vários momentos o psicoterapeuta diz à pessoa como se sente em relação aos comportamentos dela. Seguindo essa linha, o psicólogo James McCullough, da Universidade Virginia Commonwealth, em Richmond, desenvolveu uma abordagem embasada na teoria do psicólogo suíço Jean Piaget, priorizando o desenvolvimento de habilidades sociais. O sistema de psicoterapia análise cognitivo-comportamental (CBASP, sigla em inglês de cognitive behavioral analysis system of psychotherapy) foi criado nos anos 70, mas somente em 2000 foi divulgada uma orientação prática para psicoterapeutas. McCullough argumenta que pacientes com depressão crônica muitas vezes se mantêm em um estágio anterior do desenvolvimento social e interpessoal: a fase pré-operatória, que, segundo Piaget, engloba do segundo ao sétimo ano de vida.

Nessa idade, as crianças ainda pensam de forma autocentrada, não conseguem se colocar intelectual e emocionalmente na perspectiva de outra pessoa de forma aprofundada. -McCullough relatou que seus pacientes com depressão crônica tinham baixa capacidade de avaliar o efeito de seu comportamento sobre as pessoas. Em sua opinião, isso reforçaria neles a impressão de não conseguir influenciar os outros, o que lhes causaria a sensação de estarem indefesos, à mercê do meio ambiente.

O procedimento prevê que o terapeuta se coloque de forma ativa, sem pretensão de manter a neutralidade, apresentando suas ideias e sentimentos – diferentemente do que em geral ocorre na terapia clássica. Tradicionalmente, a psicoterapia busca modificar vivências fora da relação terapêutica, como conflitos no trabalho ou lembranças de um acontecimento traumático. Mas o paciente costuma transpor suas experiências de aprendizagem anteriores para muitas pessoas – especialmente para o terapeuta. O conceito de transferência foi desenvolvido por Sigmund Freud no início do século passado e desde então vem sendo aprofundado por vários psicanalistas. Embora adeptos de outras abordagens – como a terapia cognitivo-comportamental – muitas vezes combatam as ideias propostas pela psicanálise, o CBASP toma por base esse movimento psíquico e propõe que o próprio terapeuta estimule o desencadeamento de pensamentos, sentimentos e comportamentos depressivos no paciente – com o intuito de modificar padrões de reação inadequados.

Nessa abordagem, ao relatar as próprias reações ao comportamento dos pacientes, o psicoterapeuta espera que as pessoas percebam que quando agem de forma depreciativa e hostil normalmente causam consternação ou irritação nos outros. Além disso, se dão conta de que, com atitudes simpáticas e generosas, despertam desejo de proximidade e gratidão e ainda notam que têm mais chances de obter ajuda com pedidos francos de apoio. No decorrer da terapia, o paciente reconhece que o terapeuta se comporta de forma diferente das pessoas de referência marcantes de sua infância.

O fato é que, qualquer que seja o caminho para reverter ou atenuar os sintomas depressivos, ele possivelmente não será definitivo e, menos ainda, milagroso. Entregar-se ao processo psicoterapêutico requer comprometimento, bem como a adesão ao tratamento medicamentoso, ou mesmo a busca de técnicas usadas para formas mais graves de depressão. Não há dúvida de que seria muito prático comprar na farmácia um frasco com “cápsulas da felicidade”, como há 20 ou 30 anos sonhávamos que seria possível – hoje, no entanto, se sabe que esse é um cenário distante. Cada vez mais, o cuidado consigo mesmo, a meditação e a prática frequente de exercícios físicos são valorizados. E se além de levar em conta esses caminhos em direção a si for possível aceitar que há momentos em que (na contramão do que insistentemente apregoa a mídia) o mais saudável mesmo é ficar quietinho no próprio canto – e triste, por que não? –, melhor ainda. Talvez a postura ensimesmada ajude a compreender que mais do que buscar soluções prontas é necessário construir possibilidades de bem-estar. Sim, pois elas não vêm prontas. E, por incrível que pareça, há momentos (e casos) em que não brigar com a depressão pode ser a melhor forma de combater essa ameaça.

Extraído do site: http://blogs.estadao.com.br/pensar-psi/em-busca-da-cura-da-depressao/